Por: Juliano Norberto Wagner
No dia 12 de junho de 2013, Alfredo Wagner perdeu um dos grandes baluartes de seu progresso, de sua cultura e de sua vida social. Perdemos, faltando seis anos para completar um século, o mítico, folclórico e legendário Balcino Matias Wagner.
Muitas pessoas passam pela vida agindo com probidade e retidão, mas poucas marcaram e marcarão tanto as quatro ou cinco gerações que com ele tiveram a satisfação de conviver. Balcino Matias Wagner, libriano justo e pacífico, foi dos maiores colecionadores de amigos que já passaram ou passarão por nossa comuna. Ao longo de suas nove décadas de vida, somou milhares de amigos, não só no município, mas por todos os cantos do estado e fora dele e, inclusive, além das fronteiras nacionais. Afirmava que, se algum desafeto teve, dizia não se lembrar.
Balcino dizia inspirar-se em seu tio Alfredo Wagner, patrono do município, no que tangia a tratar e receber indistintamente todos os tipos de pessoas. Nunca fez acepção de pessoas: pobres, ricos, católicos, luteranos, ateus, pessoas ilustres, anônimas... a todos dispensava tratamento igual, marcado por copiosa cortesia e afabilidade.
Por falar em pessoas ilustres, foi dos poucos alfredenses que não só conheceu a todos os prefeitos que governaram o município, mas cultivou com eles fortes laços de amizade, desde o prefeito Major Pedro Weinhardt Borges, nomeado em 1961, até o atual, Naudir Antônio Schmitz. Sobre cada um deles, tinha interessantes histórias a narrar. Era, por essas e outras relevantes informações que continha, um valioso arquivo vivo, sobre os mais diversos aspectos da história do Município.
Chegou aqui em 1939, solteiro, contando 19 anos de idade.
Nasceu em Anitápolis, em 20 de outubro de 1919. Era o filho caçula dos luteranos José Henrique Wagner e Landolina Isabella Luísa Schlichting Wagner. Quando o interpelávamos sobre sua infância e juventude, sempre bem humorado afirmava que sua mãe dizia que ele
era o filho mais bonito que ela tinha. Depois completava: “Eu era o único filho homem dela!” – e dava uma gostosa gargalhada. De fato, acima dele, havia cinco irmãs: Maria Emília Wagner Krautz, Benilde Wagner Torres, Matilde Wagner Probst – a D. Lula, ainda viva, com 105 anos; Eulália Adélia Wagner Lückmann, a D. Lala; Dília Verônica Wagner Haveroth, que vive com 98 anos e Balcino Matias Wagner, que faleceu ontem aos 93 anos, 7 meses e 23 dias.
Seu pai, José Henrique Wagner, que ficara órfão aos 3 anos, veio para Anitápolis para trabalhar como funcionário público. Tinha a incumbência
de encaminhar as famílias de imigrantes alemães aos lotes cedidos pelo governo estadual na incipiente colônia. Por isso, era conhecido por todas as famílias germânicas que ali se instalaram, mantendo com elas harmoniosa relação. Por seu papel na colonização de Anitápolis, é tido como um dos benfeitores do município. Com o término da imigração, tio Zé Lico, como era chamado, passou a trabalhar como tropeiro. Comprava mercadorias e tropas dos colonos e ia vendê-las nos mais longínquos rincões do estado e até fora dele. Passou a negociar couro
de antas, que eram caçadas por seu amigo Frederico Andersen. Levava-as, a cavalo, até Caxias do Sul, onde as comerciava numa indústria de curtume pertencente a um italiano chamado Abramo, que se tornou seu amigo. Essas viagens duravam semanas e, assim que atingiu 12 anos, o pequeno Balcino passou a percorrer o longo trajeto com o pai. Nessa época, José Henrique alcançou patrimônio inestimável, sobretudo terras e cabeças de gado. Com o advento dos caminhões, o ofício de tropeiro tornou-se obsoleto. José Henrique não aderiu à era dos caminhões e, por isso, ficou pobre. Cada um dos filhos, ante isso, teve que se virar.
Balcino, contando 17 anos, foi trabalhar em um pedreira em Jacinto Machado, onde permaneceu por um ano. O trabalho era árduo: cortar e carregar pedras de manhã a noite. Lá, onde predominava a colonização italiana, fez muitos amigos e, em pouco tempo, aprendeu com eles o idioma italiano. Adquirindo alguma soma resolveu, como jovem, curtir um pouco a vida. Resolveu vir passar o carnaval no afamado Salão do Seu Talico. Interpelou seu pai, que lhe admoestou: “Filho, nós somos pobres. O pai não tem dinheiro para te arrumar. Só se quiseres vender a tua vaca e, com o dinheiro da venda, ires ao carnaval do Barracão.”. Foi o que Balcino fez. Hospedou-se na casa do cunhado Zeca Torres e, ao longo dos quatro dias do carnaval, consumiu todo o dinheiro da venda da vaca. Financeiramente, o carnaval no Barracão não valeu a pena mas, por outro lado, proporcionou-lhe conhecer aquela que seria a mulher de sua vida: Virgínia d’Aquino – uma bela jovem de 15 anos, bastante discreta e introspectiva. Trocaram olhares, dançaram respeitosamente e, escondidinhos, deram os primeiros beijos e abraços. Selava-se ali o início de uma união que se estenderia por mais de seis décadas!
Balcino gastara suas economias nessa animada festa. Precisava se restabelecer, preparar-se para o futuro. Indicaram-lhe ir trabalhar numa fecularia em Serra do Pitoco, hoje Atalanta. Lá permaneceu por pouco mais de um ano e, como sempre, fez mais uma porção de amizades, que perdurariam por toda a sua longa vida. Juntando algumas economias, regressou ao Barracão, onde reencontrou sua amada. Agora, ela estava dando aula no Alto Caeté. Firmaram o namoro e, em fins de 1943, ou seja, há quase 70 anos, contraíram matrimônio.
Os primeiros anos de vida do novo casal passaram no Caeté, onde Balcino instalou um bar ao lado da morada do amigo Nicolau Scheidt. O convívio com as famílias alemãs reacendeu o idioma de seus pais e, em pouco tempo, estava comunicando-se em alemão com seus clientes. O Caeté, à época, era tradicionalmente palco de desavenças e intrigas. Mas Balcino e Virgínia, com sua índole conciliadora, mantiveram-se alheios aos problemas que surgiam ao seu redor, permanecendo em harmonia com os vizinhos e com a comunidade. Quando deixaram a localidade, transferindo-se para o Barracão, os vizinhos choravam copiosamente, lamentando a saída dos amigos.
Estabeleceram-se em Barracão em meados da década de 1940. Tempos difíceis. Não havia fartura. Tinham que trabalhar incansavelmente e economizar todo o centavo para poder sustentar os filhos que iam nascendo. Estes, desde pequenos, foram instigados ao trabalho. Os primogênitos Edgar e Mazinho, bem cedinho, antes de irem à aula, pegavam as bicicletinhas e iam distribuir o leite que mãe vendia. Ao voltarem da escola, almoçavam e iam para a roça. Lentamente, com muito trabalho e economia, os Wagner foram progredindo. Na década de 1950, Balcino instalou uma olaria. Comprou caminhão e, lentamente, foi ampliando os negócios. Incentivou e viabilizou em parte aos filhos primogênitos o trabalho no transporte de mercadorias, com caminhão. Foram eles um dos precursores nessa atividade no município, promovendo significativamente o progresso para a cidade.
Na medida em que ia envelhecendo, Seu Balcino ia gradualmente deixando de seus afazeres, dedicando-se mais à vida social, que tanto prezava desde a mais tenra juventude. Era amigo de ricos, pobres, velhos, jovens, era fonte de pesquisa de crianças, enfim, na medida em que ia alcançando longevidade com perfeita lucidez, foi se tornando um arquivo indispensável a qualquer tipo de pesquisa que se ousasse empreender em Alfredo Wagner. A todos que lhe procuravam, tinha uma história interessante a contar. Recordava-se tanto de fatos pretéritos quanto dos atuais com facilidade incríveis.
Recebe seus incontáveis amigos lhe rendem preitos de reconhecimento e gratidão, muitos dos quais emocionados por terem que dar o último adeus a este homem que parecia-nos eterno. Dou exemplo por mim: meu bisavô era seu tio e amigo; meu avô foi seu amigo por décadas; meu pai também e, por fim, eu, tive a felicidade de manter laços intensos de amizades com esse inesquecível senhor. Assim ocorreu com tantas pessoas! Balcino foi amigo de tantas gerações de alfredenses!
Felizmente inúmeras homenagens ele recebeu em vida graças às suas tantas ações em prol do desenvolvimento de nossa cidade. Foi dos primeiros sócios do clube, doou terreno para a escola que, com justiça, leva seu nome, e parte do terreno para a construção do hospital. Homem desprendido e generoso, quando da urbanização da Rua Pe. Cristóvão, orientou o chefe das obras para que alargasse bem a via no trecho em que ela cortava seu terreno. Surpreso, seu Izidoro indagou: “Mas por que tanto, compadre?”. Balcino replicou: “Temos que pensar no futuro, compadre. Hoje são carroças e poucos carros. Daqui uns anos, o trânsito aumentará e faltará espaço.”. Se percebemos, até hoje a Rua Pe. Cristóvão é mais larga no percurso que corta a propriedade de Balcino. Nos demais trechos, os proprietários não consentiram com o alargamento.
Assim viveu Balcino, pensando, sobretudo no coletivo, vivendo humilde e modestamente. Abriu mão muitas vezes de bens materiais mas, em compensação, não abriu mão da generosidade, da benevolência, da paz e do cultivo da amizade com o maior número possível de pessoas com quem conviveu, que hoje se reúnem para louvar sua marcante vida.
Vá com Deus, seu Balcino!
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