segunda-feira, 22 de julho de 2013

Projeto Conhecendo Alfredo Wagner: Personagens Históricos

PERSONAGENS HISTÓRICOS DE ALFREDO WAGNER
I-                   JOÃO CONORATO
Por Juliano Norberto Wagner

Instado a falar sobre personagens marcantes de nosso Município, imediatamente veio-me o nome de um dos pioneiros: o velho Conorato, figura legendária, tema central das rodas de conversa tanto em vida quanto – e principalmente – após sua morte.
Seu nome, na verdade, era João Conrado Schmidt, e seus pais eram os alemães Konrad Schmidt e Clara Jakobs, que se instalaram na vila de Barracão entre os anos de 1891 e 1892. A morada destes pioneiros era no Piquete, mais precisamente onde por muitos anos residiu o Senhor Valdemiro Förster – de saudosa memória. Konrad e Clara tinham poucos filhos, para a época. Eram apenas João Conrado e mais umas duas, três meninas: Catharina Conrada, Clara Conrada e Anna Conrada... Pela abundância e repetição do nome “Conrado” entre os Schmidt, cuja pronúncia em alemão soa algo como Côn-rat, apelidou-se toda a família de “os Conoratos”.
Um fato bastante trágico abalou toda a família, tão logo haviam se instalado nestas paragens: em um dia de chuva, a jovem Catharina Conrada, moça bonita e graciosa, desapareceu. Seus pais puseram-se a procurá-la, repletos de angústia. Depois de algum tempo, foram localizados seus tamancos na beira de um pequeno perau, que margeava um profundo poço no Rio Itajaí (ainda hoje visto da SC 302). Catharina estava morta, afogada. Nunca seus familiares puderam concluir se foi um acidente ou se ela se suicidou – pois a jovem estava tendo problemas com o namorado... Estaria grávida? São dúvidas que as águas barrentas daquele trágico dia chuvoso de fins do século XIX imergiram. 
Quando contava uns 20 anos, João Conorato conheceu uma moça muito bonita, meiga, de bons modos, que estudara em um colégio de freiras. Seu nome era Cristina Francisca, e ela morava com seus pais, Jan Andersen, dinamarquês, e Allidia Hoegen, holandesa, na Colônia Militar de Santa Thereza. O casal e seus 14 filhos habitavam uma casa de barro, de pau a pique, onde mantinham uma pequena bodega. Jan – cujo nome foi abrasileirado para João – de profissão negociante, vivia da compra e venda de mercadorias. Detalhe: sua venda não dispunha de balcão, gavetas nem prateleiras. As mercadorias eram dispostas sobre caixotes de madeira, e ali mesmo eram comercializadas. De suas origens escandinavas, Jan mantinha apenas o sobrenome, o sotaque carregado e um relógio de parede, de madeira, que lhe mostrara as horas desde a longínqua Dinamarca, também durante os três longos meses de travessia do Atlântico, até sua morte, ocorrida aos 56 anos, de “doença do peito”. Certamente, seu peito carregava a saudade do reino distante, da neve abundante, da vida à beira do Mar Báltico, das aventuras de seus ancestrais vikings...
João Conrado e Cristina se conheceram em uma domingueira, na Colônia Militar, se enamoraram, e apenas a morte os separaria. Casaram-se, e passaram a morar na vila de Barracão, no lugarejo posteriormente denominado Estreito. João, sempre afeito ao trabalho e à expansão de seu patrimônio, labutou incansavelmente durante toda a sua vida. Plantava feijão, mandioca, cana-de-açúcar e tabaco. Ele e seus filhos cultivavam tabaco, em galpão, tendo sido provavelmente os primeiros fumicultores da história do Município. Foi também industrial, mantendo simultaneamente engenho de açúcar e de farinha.
Suas filhas, que durante a semana cortavam os braços nas roças de cana, causavam sensação nos bailes que eram promovidos na vila de Barracão. Egídia (Gidinha), Erondina, Donatília (Dona), Santília (Santinha) e Santolina (Nini) intercalavam-se como rainhas dos carnavais e outras festividades.
A casa de João Conorato era muito bonita: cercada por um bem cuidado jardim, onde havia flores, chorões e coqueiros plantados, que ornavam o caminho por onde passava o carro de molas – espécie de carruagem. A casa era construída em estilo enxaimel germânico, de cuja área se podiam apanhar e degustar uvas e outras frutas, cultivadas zelosamente pela família. As salas eram decoradas com pinturas murais e papeis de parede e, em datas importantes, sediavam festas e faustosos banquetes.
Trabalhador e econômico, João Conrado Schmidt alcançou patrimônio admirável: a maior parte do centro de Alfredo Wagner lhe pertencia, bem como o bairro Estreito, desde a cabeceira da Ponte Eng° Emílio Kuntze até a ponte do Saltinho (Ponte Preta), além da região do Rio Caeté acima, pelo menos até a altura da primeira subida para o Morro Redondo, e a Serra do Campo dos Padres.
Antes mesmo da virada do século XIX para o XX, Conorato construiu um galpão para abrigar tropeiros e viajantes. Cedia-lhes também o potreiro, onde podiam deixar suas tropas. Praticamente todos os colonizadores do município passaram por seu barracão, principalmente os da região de Caeté e Santa Bárbara. Era Conorato quem os encaminhava para suas novas moradas.
Conorato era baixo, magro, mantinha bigode avantajado e semblante grave. Andava a cavalo, trajando botas, guaiaca, chapéu, um colete – no bolso do qual carregava um relógio de ouro, donde pendia uma correntinha do mesmo metal que era alçada ao botão. Suas palavras eram poucas e seus costumes ortodoxos: casa, igreja, trabalho. Sua tez morena, mesmo sendo filho de alemães, indicava a provável etnia de sua mãe: judaica. Recebia amistosamente as visitas – hábito muito difundido na época, mas, tão logo se saciava de suas refeições, pedia-lhes licença e se dirigia aos intermináveis afazeres. Numa época em que os botecos eram atopetados de homens a comentar sobre o clima e os acontecimentos corriqueiros, Conorato não perdia tempo: seu lema era produzir.
Quando tinha pouco mais de 50 anos, numa madrugada de primavera, teve uma triste surpresa: sua amada esposa falecera. Descontrolado, pôs-se a caminhar ininterruptamente pela casa, cruzando as salas, copa, cozinha, área do forno... aos prantos e suspiros. Nunca mais veria sua fiel companheira! Despiu seus trajes cotidianos e vestiu o luto, como rezava a tradição. Recomendou o mesmo a seus filhos, inclusive a Florinho, com 13 anos, e o pequeno Lourival, que contava apenas 10 anos. No momento em que, sobre uma carroça, o féretro de Dona Cristina seguia, a casa, antes tão alegre, agora era envolta por dor e sofrimento. Voltaram do cemitério de Barracão o viúvo, o primogênito Dôia, as filhas moças e seus dois meninos: Florinho e Lourival. A ausência da mãe amorosa tornou o lar lúgubre e vazio. Até as pombinhas que habitavam a moradia voaram, para nunca mais voltar... era 1° de outubro de 1922.
Dona Cristina era estimada por todos. Era a mãe dos pobres. Sempre que os mais necessitados a acorriam, ela dizia: “Espere o João ir pra roça, que eu vou lhes ajudar!” e, assim que o marido – muitas vezes demasiadamente zeloso com os bens materiais – saía, ela ia ao paiol e provia de alimentos e roupas andarilhos e miseráveis, que se despediam, a abençoando. Cristina também ajudava suas irmãs, mais pobres, vestindo-as com trajes melhores e mais quentes.
Um ano após a perda da matriarca, os Schmidt viram que cada um deveria procurar dar segmento às suas vidas. As filhas Santília e Santolina (Nini) casaram-se, em dias seguidos. Esta, na sexta-feira, com Algenério Santos(Godo); aquela, no sábado, com Olíbio Leandro Wagner(Lili). Sem as filhas em casa, Conorato procurou a cunhada Clarinda, irmã de Cristina, também viúva, com quem contraiu núpcias. O novo casal deixou a velha morada, e se instalou no Sombrio (centro da vila de Barracão), onde adquiriu uma casa.
Conorato era um pai atencioso e avô amoroso. Sentia prazer em se ver rodeado pelos filhos e netos, com quem fazia inocentes brincadeiras. Certa vez, mesa posta, após a oração, o velho interpelou seu neto primogênito e predileto, Evaldo Franz: “Valdinho, você come carne de galinha morta?”. O menino ficou enojado e pensativo, mas ao deparar-se com a risada gostosa do avô, percebeu que ele estava caçoando.
Criador de gado, Conorato e descendentes encilhavam os cavalos e levavam, pelo Caeté, Santa Bárbara, Pedra Branca, tropas de gado, tocadas. Pousavam no lugar chamado Campo Chato que, pela constante presença do Pioneiro, se tornou um lugar até hoje repleto de histórias.
Na medida em que foi envelhecendo, o velho Schmidt foi ficando com a saúde fragilizada. Como não pode mais trabalhar, calçava os chinelos e ia à vargem (rio acima, no viaduto do Estreito) ver a filha Gidinha trabalhar. Lá, ela colocava um banquinho, donde o pai a podia observar.
Como os filhos de sua segunda esposa eram pobres, Conorato, já idoso, permitia que os enteados – avessos ao labor – levassem de seus paióis carroças cheias de mantimentos: batata, mandioca, milho, charque...
Acamado e débil, Conorato recebeu a visita da filha Santinha, que trouxe seus 7 filhos, numa carroça, para se despedirem. Vendo que uma netinha fitava para uma penca de bananas que havia no aposento, o atencioso avô disse: “Dê banana para a menina!”.
Como era bastante abastado e, na época, não havia bancos nas proximidades, boatos não faltavam de que Conorato estava enterrando sua fortuna. Seus filhos não acreditavam nisso, pois sabiam que o pai guardava seu dinheiro em meias, embaixo do colchão. Mas muitas pessoas discorriam sobre onde e quando o velho depositara seus pertences mais valiosos.
Um menino que morava na direção do Caeté – hoje um senhor quase octogenário – relata que vinha diariamente à aula, no Barracão Velho, e passava na frente da casa do Seu Conorato (onde atualmente é o Supermercado Beppler). Ao alcançar a morada, via o ancião sentado, na área, fitando-lhe seriamente, como que a lhe querer revelar algo. Alguns meses depois, João Conrado falecia... Por três noites seguidas, o rapazinho teve o mesmo sonho: passava em frente à casa do velho que, desta vez, lhe chamava e contava ter enterrado um tesouro próximo a um pinheiro, num morro do Estreito, incumbindo-o de desenterrá-lo.
Esta é apenas uma de dezenas de histórias que por muito tempo povoaram nossa comuna: pessoas que sonhavam com o Pioneiro, outras que sabiam de alguém que encontrara um guardado deixado por ele, ou até mesmo aparições de sua alma no velho barracão dos tropeiros ou no lendário Campo Chato. Muitos, inclusive seus netos, puseram-se a cavoucar em pontos estratégicos, onde imaginavam encontrar as supostas preciosidades.
Na década de 1950 (provavelmente no ano de 1956), o cemitério, que antes se situava ao lado da capela, no Barracão, foi transferido para sua atual localização. Os que tinham parentes no antigo campo santo trataram de desenterrá-los para sepultarem-nos no novo local. Quando souberam que iriam mexer na tumba do velho Schmidt, morto há quase 20 anos, grande foi a sensação, pois havia duas lendas acerca do cadáver: primeiro, a de que seu corpo estivesse incorrupto, pelo fato de ele ter nascido no dia de natal (25/12/1864) e ter adoecido numa 6ª feira santa; depois, pelo comentário de que sua fidelíssima segunda esposa, Clarinda, tivesse depositado o ouro dentro do esquife, sob o corpo – conforme suposta recomendação feita por Conorato assim que percebeu a morte dele se aproximar. Crianças, dentre elas Quirino Iung, foram acompanhar a exumação do corpo, feita pelo coveiro Leriano, e por Florinho, Valdinho e Vava, respectivamente filho, neto e bisneto do falecido. Retiraram a terra até alcançarem o ataúde e, ao abrirem-no, depararam-se com a ossada envolta no belo terno marrom de lã de caxemira, este sim, praticamente intacto. Sob o travesseiro, procuraram, em vão, alguma moeda ou joia. Tratava-se de mais um mito acerca do Pioneiro.
Tendo deixado ou não panelas cheias de ouro escondidas, uma coisa é certa: não há como ignorar aquele que era o dono de praticamente todas as terras que hoje abrigam o centro da cidade e o bairro Estreito. João Conrado Schmidt, agricultor, pecuarista, industrial, hospedeiro de tropeiros, foi figura exemplar e marcante em nossa história.

João Conrado Schmidt
Nasceu provavelmente na Colônia Santa Isabel (hoje próximo a Águas Mornas) em 25/12/1864
Faleceu em Barracão (hoje Alfredo Wagner) em 06/10/1938


Informações transmitidas, ao longo dos anos, por:
Alceste Franz Althoff – in memoriam
Balcino Matias Wagner
Edite Wagner Dorigon
Evaldo Franz – in memoriam
Francisco Valdemar Heiderscheidt (Quixa)
Iracy Wagner Cardoso
Lígia Kalbusch – in memoriam
Nelito João Franz – in memoriam
Olga Franz
Oscar Maria Althoff – in memoriam
Quirino Iung
Zenira Nunes Teixeira Gandin

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